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A lição de Jan Karski para o nosso mundo

11.02.2022

O legado do polaco Jan Karski, que sem sucesso alertou o mundo sobre o que os alemães estavam a preparar em Auschwitz, é hoje um chamado moral à ação para proteger os direitos humanos.

A lição de Jan Karski para o nosso mundo

Entre 2005 e 2009, frequentei a Universidade de Georgetown, onde o professor polaco Jan Karski havia ensinado cinco décadas antes. Ao longo dos anos passei por sua estátua, uma figura elegante e discreta sentada num banco ao lado de um tabuleiro de xadrez. Em 2014, meu ex-professor, Derek Goldman, pediu-me para ajudá-lo a escrever uma peça para comemorar o centenário de Karski em Georgetown (Karski morreu em 2000). Vimos então o seu testemunho comovente no documentário Shoah, de Claude Lanzmann, onde Karski falou pela primeira vez em 35 anos sobre suas experiências na guerra; lemos também as memórias de Karski, Tajne państwo [Estado Clandestino], e a excelente biografia de Karski de E. Thomas Wood, Jak jeden człowiek próbował zatrzymać Holocaust [Como um homem só tentou parar o Holocausto]. A história do polaco é um conto maravilhoso de coragem moral.

O Estado Clandestino Polaco foi criado há 80 anos. Em 14 de fevereiro de 1942, durante a ocupação da Polónia pela Alemanha e Rússia, por ordem do general Władysław Sikorski, foi formado o Exército Nacional (Armia Krajowa), o maior exército clandestino do mundo. E Jan Karski foi precisamente o mensageiro desse Estado Clandestino Polaco. Sua tarefa era obter informações na Polónia ocupada pelos alemães, bem como transmitir informações da resistência que operava na Polónia ao governo polaco ao exílio (na França e depois na Inglaterra). Suas habilidades foram perfeitas para realizar esta atividade. Karski teve memória fotográfica, conhecia muitas línguas e se caracterizava por seu grande heroísmo. As viagens de Karski pela Europa ocupada pelos alemães foram terrivelmente perigosas. Uma vez foi capturado e torturado pela Gestapo. Conspiradores polacos do Estado Clandestino Polaco conseguiram ajudá-lo a escapar em circunstâncias dramáticas.

Atuar como parte do Estado Clandestino Polaco deu-lhe esperança e propósito. Muitos membros do submundo sacrificaram suas próprias vidas para que Karski sobrevivesse. Surpreendeu-me a quantidade de sofisticadas atividades militares e de inteligência clandestinas realizadas pelos polacos, bem como a magnitude da resistência exercida, apesar dos perigos relacionados a essas atividades. Foi essa astúcia, coragem e força de espírito que caracterizou Jan Karski.

Em 1942, líderes judeus souberam de sua missão na Inglaterra, onde Karski informou vários líderes influentes sobre a situação da Polónia ocupada. Eles imploraram que ele testemunhasse os horrores do Holocausto, a dizer aos líderes estrangeiros que o povo judeu estava a ser exterminado. O seu depoimento foi muito importante. Percorreu disfarçadamente os lugares que os alemães organizaram na Polónia conquistada: o gueto de Varsóvia e depois o campo de trânsito de Izbica Lubelska. Em todos os lugares Jan Karski testemunhou desumanização, devastação e morte. Escreveu e enviou relatórios para líderes mundiais, incluindo o presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt, o juiz da Suprema Corte dos EUA Felix Frankfurter e o secretário de Relações Exteriores britânico Anthony Eden. Escreveu só a verdade, escreveu sobre o que ele mesmo tinha visto.

Alguns estudiosos afirmam que o encontro de Jan Karski com o presidente Franklin D. Roosevelt em 1943 foi parcialmente responsável pelo presidente formar o Conselho de Refugiados em 1944, que salvou milhares de vidas. Outros (inclusive eu) acreditam que as ações de Roosevelt chegaram tarde demais: muitas outras vidas poderiam ter sido salvas. Roosevelt nunca fez "qualquer pergunta específica sobre a questão judaica" - como Karski relatou depois de se reunir com ele. O secretário de Relações Exteriores Anthony Eden não permitiu que Karski informasse o primeiro-ministro Churchill. O juiz da Suprema Corte dos EUA, Felix Frankfurter, confessou que não acreditou quando Karski descreveu a magnitude dos crimes perpetrados pelos nazistas. Ele simplesmente não conseguia entender como a humanidade poderia ser capaz de cometer tal crime.

As memórias deste polaco heróico, Tajne państwo [Estado Clandestino], tornaram-se um best-seller em 1944, embora isso não tenha mudado o sentimento da sociedade. Karski considerou a sua missão um fracasso. Essa sensação de fracasso é uma das muitas lições importantes que Jan Karski nos ensina.

Em 1981, Karski fez um discurso poderoso na Conferência Internacional de Libertação, no qual afirmou: "Os judeus foram deixados para morrer completamente sozinhos". Para mim, essas palavras são muito importantes. Ele falou como os líderes e nações inteiras contribuíram para os horrores do Holocausto, demonstrando ignorância, negligência e inação. O legado do heróico mensageiro do Exército Clandestino Polaco é um chamado à consciência e um chamado moral à ação. Continua a ensinar-nos "que é a comunidade humana, e não o poder dos governos, que constitui a única proteção real dos direitos humanos".

 

Clark Young

 

Clark Young é Co-autor do livro "Pamiętaj to. Lekcja Jana Karskiego”.


Texto publicado simultaneamente com a revista mensal de opinião Wszystko Co Najważniejsze [O Mais Importante] no âmbito do projeto realizado com o Instituto da Memória Nacional.

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